Os últimos dias foram marcados, mais uma vez, pela polarização da sociedade brasileira entre os que defendem a vida e os que são favoráveis ao aborto, isto é, ao assassinato de bebês no ventre materno. Dessa vez, a discussão acontece em torno de um projeto de lei, o PL 1904/2024 (PL do aborto), de iniciativa da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que prevê a criminalização de quem realizar o aborto de um bebê a partir de 22 semanas fruto de estupro – nesses casos, a legislação brasileira atual não pune o aborto provocado em nenhum momento da gestação.
O PL 1904/2024 foi apresentado após o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspender uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a utilização de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas (5,5 a 9 meses) decorrentes de estupro. A resolução tem como objetivo garantir o direito à vida do bebê mesmo nesses casos, uma vez que a ciência aponta a viabilidade de sobrevivência de bebês de 22 ou mais semanas fora do ventre materno. Nessa hipótese, o CFM aconselha a realização do parto, o que possibilita à mãe optar por permanecer com seu(sua) filho(a) ou entregar seus filhos para adoção. Dessa forma, tanto a resolução do CFM como o PL 1904/2024 buscam proteger as duas vidas: a vida da mãe vítima de estupro, ao garantir sua liberdade de escolha de permanecer ou não com seu(sua) filho(a), e a vida do bebê, também vítima da violência sexual contra sua mãe.
Surpreendentemente, porém, parcela da sociedade brasileira, incluindo políticos, artistas, cantores, apresentadores e influenciadores digitais, reagiu de forma contrária à proposição legislativa e, por decorrência, à resolução do principal órgão médico do país, o CFM. Com o slogan “Criança não é mãe e estuprador não é pai” e frases de efeito como “A vida da criança, de uma mulher vale menos que de um criminoso, estuprador, nesse projeto de lei”, essa parcela da população tem disseminado informações falsas sobre essas iniciativas, ou por não compreenderem exatamente o que ela propõe e quais são suas implicações reais para as mulheres vítimas de estupro no país, ou, de forma intencional e por oportunidade, por serem favoráveis à legalização do aborto no país. Nesse sentido, esse movimento contrário à vida criou um espantalho do PL 1904/2024, desenhado para convencer a sociedade brasileira de que o “objetivo do projeto é criminalizar mulheres e crianças vítimas de estupro no país”.
A esse respeito, é importante ressaltar, mais uma vez, que a proposta legislativa trata de criminalização de aborto provocado a partir de 5 meses e meio de vida do bebê no ventre materno e, portanto, os argumentos e frases de efeito utilizados pelo movimento contra a vida não prosperam.
Até antes de completar seis meses de gestação, a mãe pode recorrer ao aborto sem qualquer penalização, conforme já garante o Código Penal brasileiro. No caso de mulheres adultas, que não apenas conhecem o crime de estupro e até mesmo os meios para identificar uma gravidez dele decorrente, como também sabem identificar, já nas primeiras semanas, se estão grávidas, não há de se falar em “criminalização”, uma vez que essa mulher, se assim desejarem, poderá e optará pelo abortamento já no início da gravidez. Mesmo se decidir não permanecer com seu(sua) filho(a) após a 22ª semana, a mulher vítima de estupro poderá realizar o parto e entregá-lo à adoção.
No caso de crianças e adolescentes vítimas de estupro, o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente garante que eles são penalmente inimputáveis, isto é, quando cometem algum crime, eles não sofrem penalização. As crianças até 12 anos não incorrem nem mesmo a medidas educacionais. Já os adolescentes (13 a 18 anos) devem cumprir medidas socioeducativas que podem ser em regime aberto, semiaberto ou fechado. Contudo, para esse último grupo também, vale a reflexão anterior: as adolescentes conhecem o estupro e sabem identificar uma gravidez, podendo optar pelo aborto nos primeiros cinco meses da gestação. E, mesmo que a decisão seja posterior, pode-se realizar o parto e entregar o(a) filho(a) para adoção.
Dessa forma, salva-se as duas vidas! Dessa forma, respeita-se a escolha da mãe e garante-se o direito à vida da segunda vítima do estupro: o bebê no ventre materno! Dessa forma, ninguém é penalizado: nem a mãe nem seu(sua) filho(a)! Esses são os verdadeiros propósitos do PL 1904/2024, e da resolução do CFM no qual ele se baseou. Como conservadores defensores da vida, cabe a nós nos posicionarmos e defendermos sempre as duas vidas!